#DesafioDas100 Zéfiro

#DesafioDas100  Zéfiro



  • "O céu naquela manhã parecia... Amargo.
    O firmamento ainda era claro e brilhante, o
    astro rei seguia brilhante e impenetrável, a
    vida corria em seus passos habituais, mas...
    Algo não se encaixava.
    Terrível sensação de tormento voltou a
    envolver-me assustadoramente, amedrontando
    meu coração e fazendo-o voltar a sentir medo,
    como antes.
    Logo ao despertar, senti um arrepio cortante,
    mais gélido que a corrente de ar tremulando pela janela
    entreaberta. No celular com carga completa,
    chequei as horas. Ainda dava tempo de comer.
    O plano do dia, diferente das datas anteriores,
    resumiria-se em ficar no quarto, talvez atravessar
    a persiana de bambo e molhar os pés no mar
    a beira da varanda. Nada mais.
    Sai do quarto e encarei a porta a minha frente.
    Tão próximos e ao mesmo tempo, distantes,
    como se estivéssemos separados por uma fenda temporal...
    Desde suas falas ontem, não nos vimos novamente e,
    ainda que eu quisesse fazê-lo, o receio de
    de provocar um possível desentendimento assombrava-me.
    Com uma mesa à minha disposição, servi um pequeno
    prato de desjejum, ainda que não sentisse fome.
    O celular ainda estava ao lado do copo de suco de laranja
    e quando percebi, meus dedos já tracejavam
    sob o touch sensível.


    Oi, bom dia. |


    Enviei a mensagem, os dedos gelados
    e trêmulos, esperando ansiosamente por uma resposta.
    Ela demorou pouco a chegar, menos de seis minutos.
    Droga.
    Espero não tê-lo acordado... Isso só daria
    ainda mais motivos para brigas e desentendimentos.


    | Hm, dia.
    | Onde está?



    Okay, ele respondeu. Respire, apenas respire.
    Se ele estava perguntando, significava algo bom,
    certo? Quero achar que sim.


    Restaurante. |
    Café-da-manhã. |
    Já comeu? |
    | Hm....
    | Não.



    Se quiser vir... |
    Posso fazer companhia. |

    Dessa vez, a resposta demorou bem mais,
    quase doze minutos. Ainda eram apenas
    oito e meia da manhã, o salão estava começando
    a lotar, mas ainda sim, todos pareciam sonolentos,
    quase silenciosos. Conversas baixas ou fala nenhuma.
    Tentei focar no alimento, precisava comer, ou as
    panqueca com mel esfriariam...


    | Pode ser....
    | Chego aí daqui a pouco.



    Meu coração tamborilou dentro do peito.
    Ele estava vindo, estava a caminho! Isso
    com certeza era um bom sinal.
    Tentei me acalmar, a respiração querendo
    entrar em pane, mas meu cérebro lutando
    contra possíveis colapsos.
    Pacientemente, esperei por sua chegada,
    mas ela demorou... Bastante.
    Pouco mais de meia hora depois ele aparece, mas algo
    não está certo, coerente.
    A aparência normalmente composta e garbosa
    dá lugar a ares desleixados, mas não de um jeito charmoso;
    sua camiseta está amassada e o short um pouco torto.
    Seus cabeços estão muito bagunçados, como se
    ele tivesse acabado de levantar, sem se dar o trabalho de
    ao menos, ajeitá-lo. Mas, estranhamente,
    o rosto parecia desperto, ainda que um tanto disperso.
    Olhou ao redor como se me procurasse e, quando me
    coloquei de pé, a fim de facilitar sua busca,
    notei breve revirar de olhos, como se estivesse
    deveras entediado com meu convite simples.
    Desabou sobre a cadeira, e eu digo desabar literalmente,
    não se sentou como uma pessoa normal, apenas
    jogou o corpo como se estivesse exausto e talvez estivesse,
    dadas as olheiras fundas colorindo sua pele pálida.
    Largou o celular sob a mesa com um baque, antes
    de bufar e bagunçar ainda mais os fios já tremendamente desalinhados.
    'Oi...' sussurrei e ele me encarou; sua expressão pareceu
    cortar minhas vias aéreas, porque por instantes,
    não pude respirar, e não foi de forma boa.
    'Ahm... café?' indaguei, lutando para transformar o clima.
    Outro bufar antes que ele se levantasse e fosse à
    pista refrigerada, onde estavam dispostos os alimentos.
    Quando regressou com um prato de frutas, pôs-se a comer,
    calado, mas os olhos e dedos da destra inquietos sob a superfície
    do telemóvel.
    Talvez o tenha encarado demais, já que ele logo voltou os mirantes à mim.
    'Que é?!' perguntou de boca cheia e eu apenas neguei,
    baixando o olhar.
    Silêncio. Alguns momentos depois, fiz nova tentativa.
    'Tem... planos para hoje?' falei baixo, quase com medo de sua resposta.
    'Trabalho' disse apenas e acenei. Então era isso... Ainda preso à isso.
    Tornou a largar o celular que dera pequeno pulo, mas não
    o suficiente para cair da superfície plana.
    Suspirei. Me sentia exausta e ainda eram dez da manhã! Como era possível?!
    Tentei achar justificativas, fatos, razões,
    qualquer coisa que pudesse me ajudar a compreender a
    forma como ele estava agindo, mas nada tinha coerência.
    Me sentia como uma cega em uma biblioteca, havia
    uma infinidades de livros e guias que podiam
    auxiliar-me em minhas questões, mas eu era incapaz de
    compreendê-los a tempo da catástrofe final.
    Fui retirada dos meus pensamentos pelo barulho de notificação
    proveniente do aparelho alheio. Era o celular dele.
    Ao que parecia, havia recebido uma nova mensagem...
    Senti a curiosidade bater, mas jamais invadiria sua
    privacidade, não mesmo. Não era assim. Mas...
    O aplicativo de mensagens estava aberto, uma conversa
    específica aberta, uma pessoa digitando e novas falas chegando.
    Eu nunca fui do tipo ciumenta ou invasiva, nunca
    o forcei a me contar o que não queria e nem
    agia como uma maluca que não confia no homem que ama mas...
    A conversa estava aberta, o celular virado em minha direção,
    a menos de 60 centímetros de distância... Um leve recostar
    sobre a mesa e eu poderia ver.
    Poderia mais não devia. Poderia mais não iria.
    Poderia mas... Será que a pena valia?
    Olhei.
    Em todos os meus anos de vida,
    achei já ter visto, sentido e presenciado, seja como for,
    todas as piores formas de dor possíveis e existentes...
    E em toda a minha, jurei que não haveria
    nada além do que eu já vira e sentira, capaz de
    me destruir ou causar dor. Mas estava enganada.
    Porque em todos esses anos de vida,
    nada doeu mais do que as palavras que li, ainda que não merecesse.


    Não sei o que está acontecendo... |
    Me sinto preso, quase sufocado. |
    A viagem que era para ser um sonho, se tornou cansativa. |
    Passeios, compras e jantares chatos. |
    No começo parecia certo, mas agora, me soa ridículo. |
    Sem mencionar quando ela perguntou se meu trabalho podia esperar... |
    Eu nunca falei isso a ela! Nunca. |
    Não entendo porque ela não consegue me entender... |
    Tudo é tão claro. |
    Devemos ter prioridades. |


    | Eu concordo cara, concordo mesmo. 


    E daí se era uma viagem de férias? |
    Achei que seria útil adiantar o serviço, uma mudança de ares sempre ajuda. |
    Mas ela não entende! E fica insistindo e insistindo... |


    | Talvez isso seja um sinal. 

    Sinal? |
    De quê? |

    | De que não dá mais certo.
    | Acabei logo com isso, corte o mal pela raiz. 



    Não sei, cara... |
    E se o arrependimento bater? |

    | Fala sério Min, ela não é a única mulher no mundo.
    | Tem muitas outras de onde ela veio... --'



    Mas ela é diferente das outras... |


    | Tão diferente que está acabando com a tua vibe. 
    | Me escuta moleque: ou se livra dela ou adeus liberdade.
    | A escolha é tua. 


    Talvez eu tenha sido um desastre saindo do salão,
    aos prantos e perdida, mas não havia mais nada a
    se fazer ali.
    Eu li o que não devia, e paguei pelo que fiz.
    De fato, minhas sensações estavam certas, elas
    nunca me enganam...
    Aquilo era o começo do fim...
    E o verão nunca foi tão frio em toda minha existência."



Y.
23:45h.
21/07/2019.



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