#DesafioDas100 Temporal

#DesafioDas100   Temporal

• "O passeio teve de ser adiado.
  O mundo desabava lá fora e confesso,
  tive medo do tom cinza escuro que recaiu
  sobre as águas, outrora serenas.
  Agora, revolviam como se estivessem
  com raiva do vento frio que as soprava
  para lá e para cá, enquanto pequenos barcos de pesca
  se balançavam com as ondas.
  Nos avisaram que tudo estava bem, que não
  havia risco algum, no entanto, por precaução,
  realocaram todos os hóspedes que ocupavam os chalés
  à beira-mar, apenas por questões de... Desencargo de consciência.
  Isso me soou como receio, no entanto, não discuti.
  Saí do chalé 15 e fui para o apartamento 62, do outro lado do resort,
  enquanto ele saíra do chale 14 e fora para o apartamento 66, em frente ao meu.
  Mudamos nossos planos e fomos à área de recreação interna,
  que por razões óbvias, estava lotada.
  Sala de jogos? Sem chance. A 'pirralhada', como ele dissera,
  o estava tirando do sério e admito: também não lido bem com gritaria infantil. 
  O spa também havia sido fechado, bem como a piscina interna e
  as quadras cobertas de basquete, tênis, futebol e o mini golf.
  Ainda restava uma opção e ele riu-se, quando sugeri.
  'Vamos lá, não deve ser tão ruim assim' propus e, com revirar de olhos,
  seguimos calmamente até o workshop de botânica, no salão violeta.
  Só tenho duas palavras: péssima ideia.
  O professor, um magrelo careca, com uma barba engraçada,
  não parava de tagarelar sobre uma tal teoria Freudiana que ele jurava
  confirmar que todos os seres humanos vieram dos cactos.
  Sinceramente, eu nunca ri tanto em toda a minha vida como fiz,
  ao sairmos correndo daquele antro de loucos.
  Ele não estava diferente... As bochechas rubras, pelo riso frouxo.
  Os pequenos dentinhos deixavam a mostra a gengiva rosada e fofa,
  dando-lhe um ar tão doce... Doce como o açúcar.
  'Eu disse que seria horrível' finalmente alfinetou e eu apenas neguei,
  sabendo que ele de fato estava certo. 'Tinha alguma ideia melhor?' rebati
  e ele sorriu, daquele jeito que diz é óbvio que sim. E lá fomos nos ao
  nosso novo destino. É, realmente sua ideia havia sido bem melhor.
  'Uma sala de cinema?! Isso é ótimo!' dei pulinhos, animada. Seria
  a oportunidade perfeita para ficar ao lado dele e admirá-lo, sem receio,
  enquanto os olhos miúdos brilhavam sob a luz da grande tela.
  Duas palavras: fiasco total. Claro, seria um ótimo programa
  se você for apaixonado por vida selvagem e tem grande interesse pelo
  ciclo reprodutor do assustador besouro-rinoceronte.
  'Essa era sua ótima ideia, gênio?' zoei, ele me olhou com cara de bravo,
  antes de rebater 'Não achei que pudesse ser pior que a aula daquele lunático'.
  Rimos da verdade, até que me lembrei de algo. 'Acho que tenho uma ideia'.
  'Outra?!' sua expressão era de descrença, enquanto o arrastava pelos corredores
  com paredes amarelo-claro. Atravessamos o resort inteiro, antes
  de finalmente pararmos diante de uma porta grande, a madeira escura brilhante.
  Abri a porta.
  O interior, silencioso e acolhedor, era abarrotado de... Livros.
  'Uma biblioteca?' perguntou, surpreso e confuso. A boca feita num 'ó' perfeito.
  Sorri, vitoriosa, o deixando ainda na porta. A bibliotecária sorriu para mim,
  enquanto seguia para um dos corredores. Logo me acomodei
  em uma poltrona, grande e macia e inicie uma nova leitura.
  Ele veio em seguida. 'Esse lugar é ótimo! Boa ideia' disse e vi o quanto ele corava.
  Sorri, novamente vitoriosa. Ele se sentou no tapete, as costas acomodadas
  na parte de baixo da minha poltrona. Os olhos varriam um clássico de Baudelaire,
  enquanto os meus esquadrinhavam meu velho favorito, Allan Poe.
  Foi inegável sorrir, quando senti sua nuca recostada contra meu joelho dobrado,
  bem como impossível evitar afagar-lhe os fios castanhos.
  E, sem dúvida alguma, foi inexorável a sensação plena de paz que nos abraçou.
  De fato, aquele cenário todo era muito... Nos."

Y.
21:12h.
04/07/2019.