#DesafioDas100 Sismo

#DesafioDas100  Sismo



  • "As 48 horas seguintes resumiram-se a
    mudez e alabastrino; o níveo das paredes,
    adornadas levemente com quadros e
    contornos em gesso, junto ao sossego do ambiente
    e de minha boca, que recusava-se a emitir
    qualquer palavra ou promessa.
    Durante esses dois dias, não sai do quarto,
    nem mesmo para comer... Fiz refeições
    simples ali mesmo, contando com o
    serviço de quarto, agora, numa mudança necessária
    de esquema.
    Diferente da forma que havia se dado nos dias anteriores,
    nesses últimos dias, arquei eu mesma com meus gastos,
    contrariando antigos combinados.
    O pacote de hospedagem já havia sido previamente
    pago por Yoongi, no entanto, combinamos de
    dividirmos os gastos com alimentação - ainda que ele
    sempre achasse uma desculpa para bancar tudo sozinho -
    no entanto, dadas as circunstâncias e nosso distanciamento,
    achei correto e prudente passar a arcar com
    a minha parte nas despesas, sozinha.
    Mal me alimentei nesses últimos dias e de certo
    não era por causa do dinheiro... A culpada de minha
    inapetência era única e tortuosamente, a tristeza
    que restringia meus batimentos cardíacos a meros
    espasmos biológicos. Incrível como um coração
    ferido passa de simples órgão físico à
    potencialmente problemática arma de autodestruição.
    Era assim que eu me sentia...
    Me sentia indo para a guerra, sem proteção ou armamento
    e, minha única forma de revide consistia na implosão de
    meu próprio solitário coração...
    Ah, pobrezinho....
    Há tanto tempo massacrado, buscando repouso e, quando
    julgou ter ao menos descoberto uma pequena clareira,
    segura e silente, margeada por um riacho de água fresca
    e cristalina, deparou-se com a tempestade de lama,
    que destruiu todo o idílio, levando para longe
    tudo o que era belo e seguro.
    No silêncio daquele quarto de um resort
    elegante e caro, percebi que minha doce utopia 
    não passou de um breve sussurro no vendaval da
    realidade. Tudo desbotou diante de meus olhos
    e o que ficou para trás, um cinza denso e sufocante,
    não de longe se parecia ao prateado lustroso 
    que eu tanto amava...
    Nem mesmo as estrelas reluziam como antes,
    ou talvez, seja apenas mais um exagero infantil de
    meus sentidos ridiculamente apaixonados.
    Desde o café da manhã desastroso e sua falha investida
    de contato, Yoongi não voltou a dirigir-se a mim e eu,
    mantive-me calada, vigilante.
    Os dias passariam velozes e muito em breve,
    retornaríamos para casa...
    Casa. Porque tão pequeno substantivo
    assustava-me tanto? Seria o receio do que
    estaria por vir? De certo sim, mas o local
    que dividíamos, o qual chamávamos de morada,
    também a mim pertencia então, não havia razões para
    temer retornar ao ambiente que também era meu.
    Ainda sim... Porque eu sentia como se,
    ao colocar meus pés sob o piso de tacos de madeira,
    algo importante, tremendamente grande, se
    romperia de forma funesta e irrevogável?
    O notebook aberto em uma página de escrita
    é deixado de lado, momentaneamente.
    São quase nove da noite, ainda não comi,
    talvez coma depois mas agora, acho que é seguro deixar
    que o vento noturno mude os ares dentro daquele
    espaço hermético.
    O céu, pomposo em seu firmamento sublime
    não ostentava estrela alguma... Até mesmo a lua,
    velha companheira amada dos mares, parecia
    mais pálida e fria do que de costume. Talvez seja como os
    antigos diziam... A Lua, amante plena de quietude do
    astro rei, o grande Sol, permanecia atenta aos
    acontecimentos dos pequeninos, observando
    seus tormentos e as intempéries em seus caminhos,
    usando-se de seus poderes de Guardiã Universal
    dos Corações, sempre intervinha a favor daqueles
    dignos da felicidade eterna e, quando seus esforços
    eram em vão, se compadecia dos sofredores,
    tingindo seus vãos e profundezas com a dor alheia,
    em sinal de respeito àqueles que sentem e sofrem...
    Se pensar dessa forma, talvez pudesse crer que a lua,
    aquela a quem tanto admiro e por tanto tempo, tenha
    se sensibilizado com meu penar e assim, coloriu-se
    com o soturno de minhas lágrimas e a opacidade
    de meus olhos....
    Agora, lua e eu éramos um só; ela acima dos céus,
    eu, encalhada em mares de angústia.
    Escancarei a porta da varanda. A brisa entrou com força,
    como a querer limpar todo o peso da atmosfera; o mar
    estava calmo, não haviam ondas, apenas o balanço
    sensual proveniente do vento.
    Cogitei os riscos e arrisquei, ao atravessar as portas de
    madeira e vidro, descendo a pequena escada que
    levava diretamente às águas.
    Sentei a beira, os pés tocando a água incrivelmente
    morna e agradável. Não seria problema um breve mergulho, afinal,
    tudo estava bastante claro, mesmo que o céu não possuísse estrelas e
    seria algo rápido, apenas um mergulho limpador de energias...
    Eu precisava disso, merecia isso, me devia isso.
    Sem exitar, escorrei à água. Senti a roupa grudando em meu corpo e a
    inegável sensação de leveza a me preencher.
    Submergi sem pensar duas vezes... O silêncio acolhedor
    daquele mar tão bom fora como um bálsamo a minha alma cansada.
    Quando voltei a superfície, me sentia renovada, revigorada. Ainda sentia medo,
    mas agora, ele parecia... Menor que eu, algo ao meu alcance de controle.
    O que viria a seguir viria, era a vida.
    Se tivesse que lutar, lutaria, mas, se me fosse necessário
    desistir, abrir mão, em benefício da felicidade, eu o faria. Sem exitar.
    Quando subi na pequena plataforma e depois as escadas,
    com cuidado, me sentia uma outra pessoa.
    Ainda era eu, mas agora, minha pele, enrugada e arrepiada
    pela brisa, parecia me acolher melhor...
    Eu me sentia mais à vontade dentro de mim mesma.
    E isso me fez perceber que, não importava o que o amanhecer
    me trouxesse, ou os dias seguintes, seja o que tiver que ser,
    eu enfrentaria com a coragem que sempre tive.
    Se fosse para padecer de amor e por ele, eu o faria, mas
    me reergueria novamente quando a maré subisse.
    De volta ao quarto que agora sentia-se muito mais leve e fresco,
    banhei-me demoradamente, sem me dar conta ou perceber que,
    durante meu breve enlace com o mar, olhos
    atentos, no castanho mais adorável e enigmático
    me fitavam, sem saber qual decisão tomar sobre o dia de amanhã." 



Y.
20:36h.
23/07/2019



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