#DesafioDas100 Relicário
#DesafioDas100 Relicário - Final
"❝A vida não é a mesma longe do sol de Jeju.
Toda a plenitude etérea, surreal, quase sonhada,
faz daquele lugar, um paraíso na terra.
O vento cálido, a textura da areia quente, o frescor da água,
tudo me faz lembrar daquele verão... E de como
tudo desmoronou, feito castelo de areia em
noite de vendaval...
As memórias preciosas, foram tudo o que restou
dos dias marcantes vivenciados sob aquele céu,
acalentada por aquele sol... Queria poder voltar no tempo,
unicamente para usufruir com maior consciência do que
tão fugazmente, se esvairia por entre meus dedos.
A magia vivida permaneceria eternamente incrustada
em minha alma, como rubis numa peça de ouro.
Se fechar meus olhos, consigo ouvir as gaivotas ao longe,
sinto o cheiro do mar e o sussurro do sol,
conspirando silenciosamente para que fôssemos
o mais felizes possível.
Saudade do sal... Da pele, do aconchego, dos risos e diálogos,
que juntos, contaram brilhantes histórias.
Saudades dos olhares, das promessas,
da timidez, dos segundos...
Saudades do que fomos, do que juramos,
do que prometemos.
Saudades de quando juntos,
nos afogamos naquele sonho...❞
Muita coisa aconteceu desde a última vez que nos vimos
sob o pressuposto de uma atmosfera segura,
naquele dia, quando deixei nosso lar para trás, seguindo
em frente, ainda que parte de mim tivesse permanecido ali,
entalhada naquelas paredes, naquelas memórias...
Os passos exitantes que me levaram para longe dali,
tremulavam, oscilantes, mas não mais que a palpitação
trôpega em meu peito desorientado.
Caminhei longamente, perdida no emaranhado de eventos
recentemente discorridos ante meus olhos...
As lágrimas seguiam fiéis, anuindo passivas com
a terrível dor que assolava meu coração, tornando a
tarefa de respirar um penoso desafio.
Acomodei-me num hotel, perdida demais para
saber como de fato, prosseguir a partir dali.
Eu havia deixado meu lar, havia deixado o homem que amo.
Estava terminado. Acabou.
Então eu chorei... Chorei porque naquele momento, era tudo o
que me restava; chorei até que eu sentisse que poderia
morrer sufocada em meu próprio pranto, chorei até
que os olhos ardessem e a garganta arranhasse...
Chorei, simplesmente chorei. Deixei que a incontrolável
e tórrida corrente de sentimentos confusos desabasse,
sem pudor, sem receio, sem forças.
Foram longas horas, sentindo como se a vida que eu
tanto sonhei, não tivesse passado exatamente disso: de um sonho.
E quando despertei desse sonho, confusa e perdida, me dei conta
de que não havia um felizes para sempre escrito ao final do meu script.
Eu não passava de uma coadjuvante qualquer, sem valor, que fora
substituída ao menor traço de insuficiência, insignificância...
A queda da adrenalina foi implacável e pela primeira vez, senti frio,
dadas as janelas abertas. Assim sendo, me arrastei a casa de banho,
despi a compleição física e enfiei-me sob o jato forte do chuveiro,
deixando que a cascata quente envolvesse-me, aludindo-me a
errônea e docemente utópica sensação de proteção, acolhimento.
O banho permeou-se de silêncio, um bem sufocante, mas que
a priori, fazia-se indubitavelmente necessário, dado ao
descontrole em meu raciocínio.
Precisava de concentração, foco, traçar um plano de sequência,
escolher os próximos passos a serem dados mas... Como fazê-lo quando
tudo o que me vinha a mente eram aqueles olhos, o timbre raivoso,
as palavras cruéis ditas sem piedade? Eu não conseguia esquecer...
O frio dos azulejos contra minhas costas misturou-se ao arrepio
gélido perpassado por meu torso, ao que a certeza dos fatos
recaiu de forma impiedosa, como um estrondo sobre mim...
Realmente, havia acabado. Acabado.
Não éramos mais nós... Agora, seríamos só ele e eu, sem junção,
sem plural. Ah, que tristeza é a singularidade, quando tudo o que se
mais anseia e o dulçor inebriante da pluralidade...
Ele foi meu plural mais bonito, e tê-lo ao pretérito, dilacera.
Findada a higienização do corpo, recolhi meu corpo aos frangalhos,
vesti-me de forma prudente, penteei os cabelos, apática.
Acabou... Acabou... As palavras se remetiam em minha mente,
mas a essa altura, não haviam mais lágrimas, ou essas, descontentes
ante minha patética fraqueza, recusavam-se a caírem mais uma vez.
Suspiro. O estômago dói, mas não quero comer, sei que corro o
risco de pôr para foram qualquer alimento que venha a forçar ingestão.
Por isso, apenas acomodo-me na cama, exaurida, sem chão, sem forças,
sem rumo ou plano de fuga. Já havia supostamente feito o mais difícil,
mas não estava preparada para o depois....
Longos minutos de mudez, uma lâmpada amarelada e uma brisa noturna
fria e a resposta pareceu, finalmente, límpida diante de meus mirantes cansados.
Assim sendo, quando por fim adormeci, já sabia o que fazer.
Voltar para casa foi, sem dúvida, algo difícil, mas necessário,
no entanto, eu deveria ter sido mais cautelosa, permitindo ao
meu próprio corpo - com o qual tenho sido bastante malvada e
insensível - um descanso mais prolongado, e não tendo tomado
o primeiro voo ao amanhecer, para Quebec.
Ah sim, porque viajar para Daegu ou Busan não me proporcionaria
a distância que eu necessitava - ainda que negasse fervorosamente.
Oh não, eu precisava ir para longe. E longe, não era o bastante.
Por isso, quando já na área de espera, com uma pequena
mala - não possuindo nem um décimo do que era meu e do que
eu realmente precisaria - em mãos, mandei uma mensagem
curta e monossilábica à minha querida mãe, não pensei,
apenas fiz.
Com toda a espera, tempo de voo, conexão e afins, foi de fato,
uma dura, longa e desgastante sentença autoimposta.
Ao que os ares canadenses finalmente envolveram-me o corpo,
desabei ao ter minha querida mãe correndo ao meu encontro.
Era nítida sua preocupação, e como não seria, já que ela
conhecia-me bem o suficiente para saber que eu jamais
tomava atitudes precipitadas ou não planejadas, o que
fazia do meu retorno ao lar, a clara resposta a uma
catástrofe sem precedentes.
De volta ao lar, depois de ser envolvida numa verdadeira
e palpável atmosfera de carinho e acolhimento, de
ter tomado um banho longo, quente e perfumado e de
ter degustado uma comida gostosa e refazedora,
finalmente contei-lhe o que havia acontecido. E era
óbvio que mamãe sairia em minha defesa mas... Não
havia mais uma batalha em curso. As baixas foram
mútuos e pelo menos para mim, não houve um vencedor.
Se ele não forjou suas lágrimas, eu saberia que ele
também se quebrou, assim como eu.
Sendo assim, não havia o que comemorar... Apenas o que esquecer.
Ou superar, quando fosse possível, aceitável.
Demorei um bom tempo até me re-acostumar com uma
cama grande demais para um eu tão pequenino, com
lençóis sempre perfumados de lavanda e com
a ausência de roupas largas e pretas, perdidas do meu lado
do guarda-roupa, entre os vestidos e as saias de prega.
E falta dele era latente, em cada mínimo detalhe que meu
quarto singelo ostentava... Porque faltavam os toques
sérios dele, porque as paredes creme não pareciam
tão bonitas quanto as taupe, adornadas com quadros
de paisagens bonitas e quase irreais; porque o inconfundível cítrico
de seu shampoo ou o almíscar de sua loção pós-barba
não estavam impregnadas em meu banheiro e deixavam para trás
um vazio difícil de explicar...
Mamãe e eu conversamos muito e, depois dos primeiros três dias,
consegui parar de chorar ao falar no nome dele; entre o quarto e
quinto dia, tive mais ânimo de sair do quarto e finalmente,
quando o sexto dia estava quase acabando, pensei pela primeira
vez no que faria dali em diante. Digo, eu tinha um trabalho,
e mesmo que trabalhasse para uma editora me Seul, eu não
teria problema se continuasse enviando meu conteúdo online
sempre no prazo, então quanto a isso, não me preocupava, no
entanto, ainda haviam coisas minhas em Seul; ainda havia
a parte de mim que permaneceu naquele apartamento e que,
cedo ou tarde, eu teria de recolher. O faria, mas não agora.
Ao que o pôr-do-sol do sétimo dia se aproximou, enquanto
aguardava o chá que mamãe preparava com esmero, acomodada
no tapete felpudo da sala de estar, recorde-me da existência do
aparelho telefônico, o qual permanecia esquecido em minha bolsa.
De certo, a bateria já havia ruído a muito, por isso, enquanto esperava,
recolhi o carregador e acoplei-o a saída indicada. O marcador de
bateria se iluminou e depois de vários minutos de conversas
avulsas, mergulhadas no gostoso chá de jasmim, quando a
luzinha de notificação finalmente se apagou, indicando o
término do processo de carregamento, retirei ambos da tomada,
deixando o carregador de lado e ligando o aparelho. Alguns instantes
se passaram e, quando o sistema operacional finalizou sua inicialização,
acionei o ícone de wi-fi, obtendo a conexão imediata com a
internet de casa. Imediatamente, uma infindável quantidade de
notificações fez-se presente, essas do aplicativo de mensagens,
das ligações, do e-mail e das redes sociais. Mas, a que de imediato
atraiu minha atenção foram as numerosas notificações do aplicativo
de mensagens. O KakaoTalk exibia, no mínimo, mais de 50 mensagens,
e eram todas dele...
Incrível como mesmo após uma semana, com um término agonizante
e uma dor pungente, seus encantos sob mim permaneciam avassaladores...
As mensagens, essas que exitei antes de abrir, eram quase as mesmas.
Intermináveis pedidos de desculpa, questionamentos sobre onde eu estava,
como estava e quando voltaria para casa, mas de todas elas, a que
mais me abalou, fora uma das últimas, enviadas quando o dia mal
havia nascido.
| Eu sei que errei. Sei que te machuquei e jamais me perdoarei por isso.
| Ainda consigo ver a imagem quando fecho os olhos, as suas lágrimas...
| Isso está fazendo meu peito doer, está sangrando.. mas não quero que pare.
| Não quero que a dor pare porque agora, ela é tudo o que restou de você...
| E eu sei, agora percebo... O erro enorme que cometi.
| Não vou parar de implorar o seu perdão, nunca, e enquanto eu viver, dedicarei meus dias a tentar recuperar o seu carinho, a sua confiança...
| Porque a vida não tem sentido sem você ao meu lado...
| E te amar, foi a única coisa boa que já fiz e jamais me arrependerei disso.
Não sei por quanto tempo encarei aquela mensagem;
a tela já havia se desligado e eu podia sentir pela visão
periférica, o olhar curioso de minha mãe sobre mim.
Não sabia expressar exatamente o que estava sentindo,
muito menos lidar com o peso daquelas palavras.
Desde sempre eu soube que não haveria no mundo,
alguém mais competente na tarefa de balançar minhas
estruturas usando-se meramente de palavras.
O ímpeto de digitar uma resposta fora maior que eu,
no entanto, fui forte o suficiente ao relembrar a mim mesma
que não havia mais nada a ser dito.
Com isso, desviei a atenção e após relatar o breve momento a
minha mãe, pedi que mudássemos de assunto e assim foi feito.
Dias se passaram e eu mal percebi quando uma semana se tornou
duas, três... O mês já estava acabando e tudo parecia normal,
quase bem. É claro que vez ou outra, a tristeza fazia uma visita,
e com ela, trazia a tona lembranças de momentos felizes e
tudo o que eu conseguia fazer era deixar que as lágrimas rolassem,
afinal, como dizia mamãe, 'é melhor chorar do que morrer sufocada.' e
ela estava certa, pois, quando o pranto acalmava, ainda que o
peito permanecesse revolto, havia certo alívio sob os ombros.
Por vezes, tarde na noite, uma sequência de flashes luminosos
era projetada a partir de meus olhos contra o teto branco; nas cenas,
momento tórridos onde nos amávamos sem medida, onde
compartilhávamos não apenas do ar e som, mas também
o espaço físico que dois corpos não ocupavam mas nós,
é claro, ríamos das leis da física. Uma sequência em sépia,
quase como um longa-metragem, discorria-se ante meus olhos,
e as risadas, e os sorrisos, e as conversas, e os toques não planejados,
e os abraços, e os sussurros, e as música, simplesmente tudo
se fazia terrivelmente presente e palpável... E em momentos
assim eu fraquejava, recolhendo o telemóvel do criado mudo
e com as falanges trêmulas, dedilhava até a galeria, em busca
dos últimos retratos que tiramos juntos. E os sorrisos nas imagens
gravadas parecia tão próximo, ainda que tão distante....
Quando a poeira assentou, um mês e meio depois, decidi que era
hora de enfrentar o inacabado deixado na metrópole Sul Coreana.
Já me sentia mais forte, mais convencida, mais... Conformada.
O que aconteceu, aconteceu. Não havia nada a se fazer quanto
a isso. Palavras uma vez ditas, não podiam ser recolhidas e
sendo assim, não haveria conserto para nós dois.
Isso não significava que eu não o amava mais, que eu não sentia
sua falta, que eu não ansiava pelos abraços apertados e que
eu não sonhava com ele quase toda noite, mas significava
que eu havia aceitado minha derrota e, por mais que ele
tivesse outros planos, cujos quais contassem com
pedidos de desculpas ou possíveis chances de nos
acertarmos, até mesmo se ele quisesse seguir lutando,
não se trava uma batalha sozinho...
O desembarque na agitada e incansável Seul, após o longo
voo foi quase um alívio; minhas últimas lembranças daquela
cidade ainda eram doídas, mas eu sabia que retornar era um
sinal não apenas de coragem, mas também de caráter, já que
eu nunca fui do tipo que abandonava uma situação pela metade.
Me afastar foi extremamente benéfico, ao ponto de me auxiliar
a enxergar melhor as coisas que foram, as que poderiam ter
ter sido e, acima de tudo, as coisas que como são.
Me hospedei em um hotel próximo ao centro, optando por
uma locomoção mais fácil e rápida. Depois de acomodada,
organizei o cronograma do dia seguinte. Haviam paradas
importantes antes do confronto final. Assim sendo, após
um bom banho, uma roupa confortável e um descanso necessitado,
enviei a temida mensagem.Precisamos conversar. |
A resposta veio quase imediata, ao que julguei que
ele estivesse com o celular em mãos. Limitei minha ansiedade
a apenas esperar que suas mensagens frenéticas cessassem para
que eu pudesse determinar o próximo passo.Posso ir ao seu apartamento? |
Em... Uma hora, talvez? |
E outra coisinha se quebrou em meu peito,
ao forçar meus dedos a digitarem a singularidade
do lar que outrora fora nosso. Mas era o certo a se fazer.
Quando ele concordou, suspirei, finalizando. Eu precisava
me manter forte, consciente. Eu era uma mulher forte,
competente, capaz e independente. Não era chaveiro
nem troféu, não era uma criança dependente.
Eu tinha uma vida além dele, e ela continuaria lá
para mim, por mim, depois que ele partisse... E não importaria
o quão quebrada eu estivesse, eu iria superar, como
já superei tantas outras coisas.
Respire, apenas respire, remeti a mim mesma, como
um mantra calmante, enquanto o táxi deslizava
até parar suavemente, diante de seu prédio. Com um
último suspiro, quitei a corrida e deixei o calor do
veículo, seguindo rumo ao interior da construção.
O velho porteiro, sempre simpático, recebera-me
de forma acolhedora, mas estranhou ao que pedi que ele
interfonasse, anunciando minha presença. Claro que ele não sabia.
Diante da confirmação, segui aos elevadores, acenando
mais uma vez para o senhor carismático.
Os números se iluminaram, ao que o oitavo andar
fora selecionado. Ai meu Deus, estava mesmo acontecendo!
Minha barriga se revirou, quase como se quisesse me
demover da ideia que já estava mais do que sacramentada.
Minha bolsa pareceu pesar com o porte do envelope amarelado,
ainda que não houvesse quase nada além disso. Mas eu sabia....
O peso era psicológico, era o fardo da decisão consumada.
Não haveria volta e eu sabia disso, e seguiria em frente.
Sempre em frente.
Diante do número 826, apertei a campainha; o barulho de
passos apressados me fez crer que ele parecia tão ansioso quanto
eu, mas talvez, por razões opostos.
Quando a porta finalmente se abriu, quase quis chorar de novo.
Lá estava ele... Min Yoongi continuava sendo um dos seres
humanos mais lindos que eu já havia visto, no entanto,
parecia acabado, quase destruído.
O rosto pálido parecia ainda mais desprovido de cor,
evidenciando as olheiras profundas e arroxeadas; a barba
por fazer e a magreza extrema me revelaram que sim,
ele também estava um trapo e de certo modo, me senti
consolada com isso.
Nos encaramos longamente e vi quando ele se moveu para frente,
como se quisesse me abraçar, mas retesou, porque pareceu perceber
que não poderia mais fazê-lo sem consentimento.
Gesticulou para que eu entrasse e o fiz; o apartamento
estava exatamente igual quando o deixei, um mês e meio atrás,
no entanto, não parecia tão organizado ou polido. Haviam algumas
caixas de comida pronta e embalagens plásticas sob
o tapete e na bancada da cozinha, notei de relance.
'Tem se alimentado direito?' não refreei a língua e ele
apenas negou com um meneio de cabeça, sorrindo pequeno.
Mesmo afastados, eu ainda me preocupava. E doía vê-lo tão mal.
Mas não podia deixar que aquilo se estendesse mais, ou seria
eu a desmoronar.
'Vim buscar minhas coisas.' disse, ao que me virei e o encontrei
perto, me encarando com a expressão quebrada.
'Antes que você diga qualquer coisa, preciso te pedir perdão.' falou
rápido. Apenas neguei, seguindo até o quarto. Ali, tudo parecia
igual também, e me surpreendi ao ver que minhas coisas permaneceram
exatamente como eu havia deixado, com exceção do pijama listrado,
que parecia deitado na cama, ao lado dele. Ele sentira minha falta...
Abri o armário do corredor e tirei de lá duas malas grandes,
voltando ao quarto, o vendo sentado na cama, a cabeça baixa,
o derrotismo assumindo o controle. Abri o guarda-roupa.
Comecei a tirar de lá as roupas, dobrando-as e colocando nas
nas malas. Ele permaneceu parado, mas eu sentia seus olhos
em mim e minha pele queimava sob as íris castanhas.
Arrumei tudo rápido; sapatos, roupas, itens pessoais,
jóias, livros, pequenos objetos de decoração. Logo, tudo
estava arrumado e eu já seguia de volta a sala, agora sozinha.
Permaneci naquele espaço, ainda solitária, observando tudo
ao redor, como se meus olhos quisessem uma última lembrança
daquele lugar que eu tanto amava e no qual fui tão feliz.
Fiz questão de gravar na memória os detalhes e mal notei
quando a lágrima solitária pintou minha têmpora de rosado.
Ouvi passos, mas permaneci de costas.
'Por favor... Não vai... Eu sinto tanto, tanto a sua falta...' ouvi seu
fungar e funguei junto. 'Também sinto a sua, mas parece que não
funcionamos mais bem juntos... É melhor cada um seguir seu
caminho, buscando a felicidade.' forcei-me a dizer.
'Não serei feliz sem você...' e o timbre choroso me quebrou por completo.
Desabei num choro penoso, sentindo meus pulmões comprimirem
meu peito, fazendo tudo doer. Uma palma quente tocou meu ombro,
repleta de incerteza e quando não obteve recusa, abraçou-me forte.
E ali permanecemos, conectados, sentindo o peso da saudade
inegável abater-se sobre nós. Choramos longamente, libertando
toda a dor e, quando nos acalmamos e nos afastamos, percebemos
que ainda nos amávamos, tremendamente, mas havia algo diferente...
Algo que nem eu, nem ele compreendíamos. Algo mudou.
E estava além de nós ou de nossa vontade...
Abri minha bolsa ao me afastar, tirando de lá o envelope, o
colocando sob a bancada. O vi encará-lo, confuso, mas nada disse.
'Por favor, assine e me envie uma cópia...' falei baixinho, afastando
as gotinhas restantes.
Silêncio.
Quando ele voltou a falar, seu timbre era mais grave, mas ainda ameno.
'Você... Você ainda está usando...' falou surpreso, encarando o adorno
dourado em meu dedo. Encarei a aliança, recordando-me de não ter
nem de longe cogitado a hipótese de tirá-la. Mas agora era diferente...
'Você também não tirou a sua...' devolvi, observando a dele um bocado
mais larga, dada a aparência esquálida.
Nos encaramos, até que desviei, olhando meu anel bonito, cravejado em
pequenos rubis. observei a joia e ainda que sentisse um peso terrível no peito,
o retirei de meu dedo. Ele não pertencia mais a mim. Não mais.
'Não...' ele sussurrou e eu vi de relance as lágrimas molhando seu rosto,
ao que deixei o anel sob o envelope.
Antes de me afastar, retirei de dentro da bolsa a caixinha
de presente, embrulhada delicadamente, com os protetores
de ouvido que havia lhe comprado, quando ainda estávamos na ilha.
Deixei-a ao lado do anel antes de seguir em frente.
Tomei minhas malas em mãos e segui rumo a saída.
'Então... É isso? Não há nada que eu possa fazer para que você mude
de ideia e fique comigo?' indagou, e eu o encarei. Neguei de leve, antes
de voltar a encará-lo, com firmeza, ainda que minha voz fosse doce.
'Seja feliz Yoongi, por mim.' falei.
Quando cruzei o batente da porta daquele apartamento, me dei
de que a parte que eu havia voltado para resgatar, jamais
viria comigo, simplesmente porque não mais me pertencia...
Essa parte habitava em Yoongi, assim como parte dele vivia em mim.
Um ano depois.
Muita coisa aconteceu desde o dia que deixei definitivamente
para trás, não apenas o amor da minha vida, mas também,
parte importante da minha história.
Bem como fazia muito tempo desde que pisei em jeju como
uma visitante...
Um ano se passou desde que... Yoongi e eu nos divorciamos. Fora um processo tranquilo, o que me surpreendeu, já
que eu tinha certeza de que ele lutaria, ou apareceria na
minha nova casa, tarde da noite, implorando por mais uma
chance mas não, ele não fez isso. Ele me respeitou.
Respeitou minha vontade, meu silêncio, meus adeus.
E isso ridiculamente só me fez amá-lo ainda mais!
Depois de 2 anos e 11 meses de casamento, nos
separamos oficialmente, num processo pacífico e sem
grandes interferências exteriores. Obviamente, tivemos
de lidar com questionamentos, mas cada um lidou a sua maneira.
Com o fim do processo, decidi que precisava de
uma mudança, como se não fizesse mais sentido permanecer
em Seul. Cogitei a ideia de voltar permanentemente
para casa, mas até mesmo mamãe sabia que não fazia
sentido para mim. Foram semanas pensando numa
solução, até que ela surgiu, perfeita e clara, no meio de
uma reunião de trabalho.
Eu me mudaria para Jeju.
A princípio, sei que soa deveras masoquista, viver no
lugar onde tive as melhores e piores lembranças do meu
último relacionamento, no entanto, seria perfeito para mim.
Era a mudança de ares que me faltava... E foi o que fiz.
Em menos de quinze dias, consegui concluir a mudança
e tudo estava correndo muito bem. Tinha uma casinha
fofa numa parte agradável da ilha, perto de tudo; comia
peixe grelhado quase todo dia, tomava água de coco e
caminhava pela praia todos os dias, perto do pôr-do-sol.
Tinha todo o controle sob meu trabalho, visto a excelente
conexão local e tudo corria bem...
Eu me sentia leve, até mesmo feliz. Faltava algo? Sim. Alguém.
Mas sentia-me feliz o suficiente ao saber que ele
Estava alcançando seus objetivos e estava fazendo sucesso,
com seu trabalho impecável.
É... Tanta coisa aconteceu...
E cá estou eu novamente, debaixo do mesmo céu,
sob o deslumbrante sol de Jeju... Sentindo saudades
de tanta coisa... A saudade do sal permanece, mas na
verdade, percebo que saudade real é outra.
O que falta de fato, é o sabor do sal, das lágrimas
ou do mar, misturados ao gosto inconfundível do
paladar mais apurado que já saboreei...
Agora entendo, finalmente entendo...
Assim, debaixo do sol de Jeju, sob o vento marítimo,
com tato da areia entre meus dedos, envolta pela
morna maresia, percebo que nunca foi saudade do sal
na pele... Sempre foi saudade do sabor do Sol.
Mas o Sol que me faltava, não estava mais em meu meridiano...
E as horas passam e passam, e o sol se põe, imponente,
majestoso... O laranjo se mistura com o azul profundo do
mar e tudo vira obra de arte.
O matreiro vento norte sopra, canta uma canção...
E nela eu ouço os versos de amor de uma linda história,
onde dois corações se encontram, se amam, se pertencem,
mas partem para longe, porque o destino quis assim, mas eles
sabem, sentem, tem esperanças de que algum dia, nessa vida
ou na próxima, eles poderão, finalmente se encontrarem.
Pego o celular na bolsa e inerente à minha vontade, os
dedos tateiam pela playlist denominada Eternity em busca
da trilha sonora propícia à despida de mais um dia radiante.
A melodia, intensa e profunda, preenche meus ouvidos,
envolve meus sentidos e sorrio sem perceber... Tão alheia
que não ouço os passos e em seguida, alguém ao meu lado, até
que esse alguém se pronuncia.
'Finalmente, eu te encontrei....' o timbre rouco, conhecido, elucida.
E eu sinto o universo parar, mas a música continua, e as ondas ainda
quebram altas, e o sol ainda se põe, e as gaivotas ainda piam alto,
e a vida continua, mas tudo parece congelado sob o calor daqueles olhos.
E mais uma vez me dou conta de uma verdade impossível de se
remediar... Não importa o quão fundo eu mergulhasse naquele
oceano, sem colete salva-vidas ou boias de proteção,
sempre haveria uma razão para querer mergulhar...
E braços fortes a me trazer de volta a superfície. ".fin.
Y.
23:42h.
31 de Julho de 2019.
23:42h.
31 de Julho de 2019.
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