#DesafioDas100 Recuo

#DesafioDas100  Recuo



  • "Os dias posteriores ao nosso retorno a grande metrópole foram,
    sem dúvida alguma, os mais caóticos, histéricos e terrivelmente
    exaustivos de todo o tempo no qual convivemos juntos.
    Brigas, discussões e trocas de farpas, algo extremamente
    anormal e distante de nossa rotina, tornou-se uma
    triste constante.
    Mal trocávamos meia dúzia de vocábulos e lá estávamos nós,
    aos berros e faces coradas, de raiva ou de ambiguidade.
    Desde que regressamos de Jeju, assemelha-se que em nada
    mais anuíamos, tendo transformado simples diálogos em
    um embate de locuções arredias e amargas. E tudo sempre
    terminava com Yoongi saindo de casa, impetuoso e irado,
    batendo portas ou chutando móveis que ousassem atravessar seu caminho.
    Fato é que aquele que outrora fora nosso lar,
    um lugar aprazível e aconchegante, tornara-se um
    um lastimável cenário de guerra, onde, afinal, era sempre eu 
    a necessitar de cuidados e reparos.
    Infelizmente, nas conjunturas atuais, minhas entranhas
    mostravam-se exauridas de tantos escândalos e revoltosas
    emissões de pensamentos; careciam de circunspeção, calmaria e
    quem sabe, com muita sorte, uma dose extra de carinho, no entanto,
    sabia que nada disso me seria ofertado, restando apenas a solução mais
    penosa e solitária: o pranto.
    Vezes alterado, vezes aos murmúrios, o plangor se tornara meu
    mais constante convidado, quase surripiando o título de camarada fiel,
    já que seguia-me do despertar ao adormecer, sempre trazendo consigo
    o amargor de memórias indesejáveis.
    Os dias viraram semanas e eu quase não encontrava mais
    com Yoongi em nossa casa. Ao acordar, já ele havia saído, ao regressar
    do trabalho, não o tinha na moradia.  As horas passavam e somente
    quando a madrugava gritava forte, em seu silêncio, é que o tilintar de
    chaves preenchia o ambiente. Por vezes, não o vi chegar, mas tinha ciência
    de que alcançara o domicílio apenas ao início da alvorada.
    Sentia-me definhando de tristeza e desamor, ao ter o
    homem que tanto me era caro ao âmago, tornando-se cada dia mais
    arredio e ausente.
    Queria crer que tudo era culpa do trabalho incessante, que forçava-o
    a abdicar até mesmo de seu próprio descanso, em busca  de
    resultados certeiros, mas algo ressoava, dizendo haver algo mais.
    Um dia, em uma das discussões onde nos exaltamos de tal forma
    que temi que os vizinhos convocassem o síndico do prédio ou pior, a polícia,
    Yoongi esgoelou-se dizendo que 'não aguentava mais aquele círculo
    vicioso de frescuras e frivolidades na qual sua vida girava em torno'
    , o que
    roubou-me o ar e os últimos resquícios de confiança.
    Durante semanas tais palavras me rondaram a mente, o que servia de
    garantia a minha hipótese de que, a vera, algo muito sério estava acontecendo
    e eu me sentia como um broto em terra rasa, sem saber o que fazer,
    para onde ir e como salvar meu lar.
    Torcia pelo melhor, no entanto... Minhas crenças pareciam fadadas a
    esvaírem por entre meus dedos, sem perspectiva de qualquer redenção."





Y.
22:13h.
27/07/2019.


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